Um corpo vadio, um espírito livre, uma alma que se deixava levar pela correnteza da vida.

Antes que você leia a prosa, gostaria de dizer que me baseei na música da banda Nau, “Corpo Vadio”, que só está no YouTube (e nos vinils).

Era como se o tempo houvesse parado, suspenso no ar úmido daquela noite quente. O corpo, leve, quase flutuante, movia-se sem rumo, como se fosse guiado por uma brisa invisível. Não havia pressa, não havia destino. Apenas o pulsar dos sentidos, a pele arrepiada ao toque do vento, os passos descalços na terra úmida. Era um corpo vadio, entregue ao acaso, à deriva.

Os olhos fechados capturavam imagens que não estavam ali: memórias distorcidas, sonhos que se misturavam com a realidade. A mente vagava, solta, enquanto o corpo seguia seu próprio ritmo, como se dançasse uma música que só ele podia ouvir. Era uma dança lenta, quase ritualística, como se cada movimento fosse uma oração silenciosa ao desconhecido.

E havia algo de libertador nessa entrega. Não havia amarras, não havia regras. Apenas o presente, o agora, o instante que se estendia infinitamente. O corpo vadio não pertencia a ninguém, nem a si mesmo. Era parte do mundo, da noite, do ar, da terra. Era um fragmento do universo, perdido e encontrado ao mesmo tempo.

E assim seguia, sem perguntas, sem respostas. Apenas existindo, apenas sendo. Um corpo vadio, um espírito livre, uma alma que se deixava levar pela correnteza da vida.

Naquela noite, o céu parecia mais baixo, como se pudesse ser tocado com a ponta dos dedos. As estrelas, distantes e frias, cintilavam como faróis minúsculos, guiando não o corpo, mas a alma que se perdia em seus próprios labirintos. O corpo vadio, agora sentado à beira de um rio silencioso, mergulhava os pés na água corrente. O frio da correnteza contrastava com o calor que emanava de sua pele, como se o rio tentasse lavar não só a sujeira do dia, mas também as cicatrizes invisíveis que carregava.

As mãos, agora quietas, repousavam sobre a grama úmida. Cada folha parecia pulsar sob os dedos, como se a terra respirasse em sintonia com ele. Era como se, naquele momento, todas as barreiras entre o corpo e o mundo tivessem se dissolvido. Não havia mais separação, apenas uma conexão profunda e primordial. O corpo vadio não era mais um estranho naquele lugar; ele pertencia àquela paisagem, àquela noite, àquele silêncio.

E então, como que em resposta a essa união, o vento começou a soprar mais forte. Ele trazia consigo o cheiro de terra molhada, de flores noturnas, de algo que não podia ser nomeado, mas que era familiar. O corpo ergueu-se, lentamente, como se fosse parte de um ritual antigo. Os braços se abriram, os olhos se fecharam, e ele deixou que o vento o envolvesse, como um abraço que não pedia nada em troca.

Naquele instante, o corpo vadio não era mais apenas um corpo. Era um veículo, um instrumento, uma expressão de algo maior. Ele dançava não para si, mas para o mundo, para o universo, para a vida que pulsava em cada átomo ao seu redor. E, enquanto dançava, ele sabia que, no fim, não importava para onde iria ou de onde viera. O que importava era estar ali, completamente, inteiramente, sem medo de se perder.

Porque, afinal, perder-se era apenas outra forma de se encontrar.

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